Lúcia Murat, de Praça Paris: “Devemos discutir a fundo o racismo”
Realizadora contou como teve a ideia para o filme, sobre as escolhas do elenco e lembrou o assassinato de Marielle Franco
atualizado
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A diretora carioca Lúcia Murat tem 12 longas no currículo: sua primeira produção data de 1984, o documentário O Pequeno Exército Louco. De todos os filmes que dirigiu, quatro tratam da questão da ditadura militar brasileira. A realizadora foi presa e torturada diversas vezes durante o período, episódios que ela relatou na Comissão da Verdade, em maio de 2013.
Seu último filme, Praça Paris, está em cartaz nos cinemas. O longa trata, entre outros temas, dos abusos praticados pela Polícia Militar contra a população negra e pobre no Brasil. “Acho que a questão da violência me interessa profundamente, pois quando muito jovem, na agem da adolescência para a idade adulta, fui presa e torturada pela ditadura. É inegável que essa experiência me levou durante toda a minha vida a questionar o ser humano e sua perversidade”, comenta Murat.Em tom de suspense, o filme mostra a escalada da paranoia de uma psicóloga branca em relação a sua paciente, que é negra. O medo, segundo a diretora, está levando as pessoas a atitudes absurdas. A ideia surgiu a partir de um episódio acontecido em uma universidade brasileira, mas Murat decidiu distanciar ainda mais as duas personagens: a profissional de saúde, vivida por Joana de Verona, é uma imigrante portuguesa.
“Decidi transformar essa personagem numa estrangeira porque considerei que dramaticamente seria mais interessante, pois exacerbaria ainda mais a questão do estranhamento e do conflito cultural. E teria de ser portuguesa para poder desenvolver o trabalho na mesma língua”, comenta a diretora.
Embora o filme tenha sido produzido muito antes do assassinato da vereadora Marielle Franco, traz uma discussão oportuna ao momento. “O que aconteceu com a Marielle foi uma tragédia até então impensável. Mais do que nunca devemos discutir a fundo essa questão e como nos posicionamos diante dela. Isso o filme faz: levanta o racismo e a desigualdade social brasileira e como a classe média privilegiada colabora com isso”, afirma Murat.
Parte fundamental dessa representação do racismo é atuação de Grace ô, que, na pele da ascensorista Glória, levou para casa o prêmio de Melhor Atriz do Festival do Rio. “Fizemos uma pesquisa no Morro da Providência, junto a ONGs e moradores, e a partir daí construímos o personagem. Depois, ela recebeu uma grande contribuição pela magnífica interpretação de Grace ô”, elogia a realizadora.